Memória e aprendizagem: estratégias para o aluno lembrar

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Memória e aprendizagem

A pedagoga e especialista em neurociência Kátia Chedid discute memória e aprendizagem e compartilha estratégias para que o aluno se lembre do conteúdo no longo prazo.

Memória e aprendizagem trabalham juntos. Qual o único modo de saber o que o aluno aprendeu? Avaliar esse aprendizado, claro – e o aluno demonstrará o que aprendeu justamente recuperando na memória o que foi ensinado.  

Alan Baddeley, um dos maiores especialistas em memória, escreve no livro Memória, da Editora Artmed, que, ao contrário de outros animais, o homem sobreviveu graças a aprendizagem. Sem a aprendizagem, não teríamos a linguagem, as ferramentas complexas, o transporte e tudo o que nos faz viver em sociedade.

O que determina aquilo que somos é a nossa capacidade para adquirir e armazenar novas informações. A memória é o que nos permite aprender por experiência, ou seja, é essencial para nossa sobrevivência. Baddeley afirma que há diferentes tipos de aprendizagem, que resultam em diferentes tipos de memória. Diz ainda que os vários estágios de memória e aprendizagem estão inter-relacionados e deveriam idealmente ser discutidos em conjunto.

Memória e aprendizagem: desafios na rotina escolar

A forma como aprendemos e avaliamos impacta de maneira essencial o tipo de memória na qual o que foi ensinado será armazenado. Alguns conteúdos não ficam armazenados na memória de longa duração porque os alunos sabem que só serão cobrados na prova e não entendem que essa informação será útil no futuro. Depois da prova, a impressão é que nunca mais esses conteúdos serão utilizados.

O tempo disponibilizado é insuficiente para a quantidade de conteúdo que deve ser ensinado. Estudos demonstram que os testes têm eficiência na aprendizagem se o feedback acontecer para evitar a repetição de erros. Nas escolas, temos tempo de aula para esses feedbacks? Há oportunidade para que os alunos refaçam provas? Se sim, o aluno as refaz com intenção de aprendizagem? Além disso, a avaliação serve para que os professores refaçam seu planejamento? A resposta é não, ao menos na maioria das escolas. Não há tempo para rever o que não foi aprendido, pois outros conteúdos precisam ser vistos. O professor não tem como trabalhar os erros e revê-los, prejudicando a memória e aprendizagem dos alunos.

O que guardamos na memória?

Ao falarmos de memória e aprendizagem, precisamos compreender por que nos lembramos de algo – ou o esquecemos. Muitas vezes, ouvimos que o cérebro é uma esponja que absorve informação, mas melhor seria compará-lo a uma peneira, pois a maior parte das informações sensoriais que recebemos é rejeitada quase que imediatamente. A razão pela qual o cérebro filtra uma informação é sua relevância e seu valor funcional para a sobrevivência. De que adianta guardar a sensação de uma roupa no corpo ou da tecla do computador no nosso dedo? Que fatores influenciam o cérebro a guardar ou rejeitar algumas informações, prestar atenção a alguns estímulos e desprezar outros?

“Aquele professor que sempre dá aula usando a mesma sequência de estratégias tem grande chance de perder a atenção de seus alunos”.

O professor precisa saber que uma tendência do cérebro é a habituação, ou seja, o cérebro acostuma-se ao estímulo e começa a ignorá-lo. Além disso, quando dois estímulos concorrem a atenção se foca no mais intenso, no que tem movimento e no que é novidade. O professor pode se beneficiar dessas informações, usando estratégias diferentes e estímulos diferentes para ensinar cada conteúdo.

Aquele professor que sempre dá aula usando a mesma sequência de estratégias tem grande chance de perder a atenção de seus alunos. Por exemplo, imaginemos um professor de matemática que, a cada aula, explica na lousa dois ou três exercícios e, depois, dá uma lista deles para seus alunos. Em seguida, realiza a correção na lousa… Ele sempre segue essa sequência em suas aulas. Com o tempo, o aluno prestará menos atenção à explicação e esperará a resposta da lousa para copiá-la – como se copiando a receita do bolo soubéssemos cozinhar – e esse professor passa a correr um sério risco de que seus alunos não aprendam.


Avaliar é fundamental, mas apenas uma etapa do processo de aprendizagem. Para que os alunos absorvam o conteúdo ensinado, procure passar pelos 7 passos abaixo!

O professor que, a cada aula, propuser atividades variadas (alternando momentos individuais, em dupla e em grupo, usando esporadicamente aulas expositivas, mas também inserindo dinâmicas e ambientes diferentes), poderá prender mais a atenção de seus alunos. A repetição e a atenção são importantes auxiliares para a memória e aprendizagem, mas a repetição enfadonha faz com que a informação seja descartada.

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Dar significado para garantir a aprendizagem

A memória tem limitações em termos de capacidade, mas dar significado ao que pretendemos guardar pode ajudar. Vamos fazer um teste?

Tente memorizar essas 12 letras nessa sequência: P P V N D Q M F M A D V. Leia esse texto até o final e veja quantas você lembra, depois que eu der o significado a elas, no final desse texto, você não terá nenhuma dificuldade em guardá-las para o resto da vida!

Caso nosso cérebro começasse a julgar todas as informações importantes, ele ficaria tão sobrecarregado que não seriamos capazes de tomar decisões essenciais para nossa sobrevivência. Felizmente, ele filtra e seleciona os estímulos sensoriais que recebemos e armazena os mais significativos e pertinentes.

Uma das formas mais eficazes de tornar a informação significativa é associar o novo conceito a um conhecimento familiar. Isso é atingido através de analogias e metáforas, por exemplo, formando associações com o que já foi compreendido. A aprendizagem que permite aos alunos relacionar uma informação nova a experiências anteriores aumenta a força e a complexidade das conexões neuronais e, desse modo, a retenção da informação.

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Memória e aprendizagem em 7 passos

Marilee Sprenger, apresenta sete passos para ensinar nossos alunos e ajudá-los a guardar na memória o que ensinamos:

  1. Atingir: envolver os alunos no processo de aprendizagem, tornando-os protagonistas. Basear a aprendizagem em problemas e usar estratégias colaborativas e cooperativas. Lembrar de considerar a atenção, os estilos de aprendizagem, a motivação e o significado, além de utilizar estratégias que envolvam diversos estímulos sensoriais.
  2. Refletir: dar tempo aos alunos para relacionar o novo aprendizado com o que já sabem. Deixar o aluno participar, dar exemplos, contar suas histórias. Existem estratégias para garantir que todos relacionem o novo conceito com seu conhecimento prévio, como, por exemplo, colocá-los em duplas ou em grupos para que discutam o que foi aprendido.
  3. Recodificar: a recodificação é um passo imperativo para que os alunos se apropriem das informações recebidas. Fazer resenhas, resumos, anotações, mapas conceituais, desenhos, esquemas sobre o que foi visto é essencial, pois o material autogerado é bem melhor lembrado. O registro personalizado desencadeia um melhor entendimento conceitual.
  4. Reforçar: a partir do processo de recodificar o professor observa se os conceitos aprendidos pelos alunos correspondem ao que foi ensinado e, a partir daí, pode dar feedbacks, momento em que esses conceitos serão aperfeiçoados. Essa fase dá a chance ao professor de ajustar concepções antes de elas serem armazenadas na memória de longo prazo.
  5. Treinar: treinar de diferentes maneiras, utilizando a aplicação, análise, a pratica mental, os pares educativos, a música, a personalização, a dança, os poemas e a criação, entre outras estratégias. A lição de casa pode ser utilizada como treinamento, assim como projetos “mão na massa”. O treinamento é a oportunidade de utilizar o conhecimento e entendimento confrontando os alunos com situações-problema imprevistas ou incomuns. O treinamento consolida a retenção do conceito na memória de longa duração.
  6. Rever: a revisão torna possível resgatar a informação da memória de longa duração e manipulá-la na memória de trabalho. A revisão consiste em preparar nossos alunos para avaliar a aprendizagem. As revisões podem ser realizadas individualmente e em grupos – e existem formas criativas de realizá-las!
  7. Recuperar: o tipo de avaliação pode afetar a facilidade ou dificuldade de recuperar algumas informações armazenadas. O processo de recuperação pode ser desencadeado por técnicas especificas. O estresse pode inibir a capacidade de acessar essa memória. Existem formas variadas de testar seus alunos, avaliá-los em dupla ou individualmente, deixar que preparem tábuas de consulta, proporcionar formas diversas de resgatar a informação através de trabalhos, provas e projetos.

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Nós podemos ensinar e avaliar de forma a garantir a aprendizagem. Saber como funciona o cérebro no processo de consolidação de memória e aprendizagem, além de trocar experiências com outros professores sobre estratégias diferenciadas, ajudam muito. Os professores e os alunos devem ter claro seus objetivos, seu destino e o que cada um dos dois precisa para lembrar do que foi ensinado, ou seja, para aprender.

Voltando às 12 letras, quem se lembra? E se eu disser que são as letras iniciais do “Parabéns pra você”? Você as escreverá rapidinho! Criado o significado o resgate fica fácil!

* Kátia Chedid educadora e psicopedagoga, além de já ter trabalhado como coordenadora pedagógica e orientadora educacional – no total, Kátia conta com mais de 30 anos de experiência na área. Tem extensão em Neuropsicologia e especialização em Neurociência. Ministrou cursos e palestras como “Contribuições da neurociência para a prática na sala de aula” e “Educação e Neurociência” e tem artigos publicados em seu site, katiachedid.com.br.

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