Claudio Sassaki na TRIP: Gerações de distraídos

Na mídia
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Na coluna de novembro para a TRIP Transformadores, Claudio Sassaki, confundador da Geekie, relata como podemos incentivar hábitos de concentração para as novas gerações, que cresceram rodeadas pela tecnologia e que são impactadas constantemente com um turbilhão de informações. Leia:

 

GERAÇÕES DE DISTRAíDOS

Como ajudar as gerações Millennials e Z a lidar com os efeitos colaterais da tecnologia e a desenvolverem a concentração?

POR CLAUDIO SASSAKI

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A geração Millennial surgiu em um momento de melhoria da economia mundial, da forte expansão urbana e do avanço da tecnologia. Nascidos em meados da década de 1980 até 1990, esses jovens viveram com mais intensidade a transição de um mundo com acesso limitado à informação para o conhecimento a poucos cliques de distância. A geração Z, em contrapartida, é a primeira que cresceu em um mundo dominado pela internet; são fluentes em tecnologia. Classificados como True Gen, a geração da verdade, nasceram entre 1995 e 2010; e reconhecem no não binarismo – que não resume a existência em dois gêneros normativos da sociedade, como a cultura eurocêntrica – a chave de uma boa vida. Pais, avós e educadores têm debatido formas de lidar com as particularidades dessas duas gerações e, nesse processo, muitos carregam a mão nos pontos dissonantes. Entretanto, como qualquer outra, essa geração tem muito a nos ensinar e a contribuir com o mundo. Cabe a nós, enxergar como construir um diálogo eloquente que supere os desafios.

Ambas gerações sofreram diretamente os efeitos colaterais da tecnologia; uma pesquisa da Microsoft – conduzida no Canadá com 2 mil pessoas – indica que a tecnologia deixou os humanos com uma atenção mais curta que a de um peixinho dourado. Para monitorar a atividade cerebral, o estudo também fez eletroencefalogramas em 112 voluntários e detectou que a concentração dos humanos está sendo reduzida pelo uso de dispositivos portáteis e das mídias digitais. Em 2000, a atenção humana era de 12 segundos, em média; em 2013 caiu para oito segundos – um segundo atrás da média dos tais peixinhos dourados. Além de detectar o problema, os cientistas passaram a estudar como treinar os distraídos para auxiliá-los a se focar em tarefas; a expandir a atenção.

Tenho vivido essa experiência em casa. Para Luana, aos 9 anos, é mais desafiador se concentrar por um longo período de tempo. Como grande parte da sua geração, ela é sensível e atenta à estímulos do ambiente; começa a comer e se distrai com Vitor, o irmão; começa a ler… e para! Sempre tem uma boa justificativa para parar o que está fazendo. Concordo com a pesquisa canadense. Nessa geração, a quantidade de informação e o próprio uso do dispositivo digital – com notificações constantes – não ajudam a desenvolver o hábito da concentração. E, nessa fase de vida, se não formarmos o hábito da concentração por um período mais longo é muito difícil desenvolver depois, na idade adulta.

Com esse cenário – de um futuro incerto, no qual os jovens terão que resolver problemas que ainda não existem, usando tecnologias que não foram inventadas – temos que ajudar os jovens a desenvolver o hábito de estudar e aprender a vida toda, o chamado life long learning.

Por ter que se atualizar com mais frequência, porque atualmente o conhecimento é criado muito mais rápido do que há décadas, isso torna essenciais as habilidades de se concentrar, priorizar e aprofundar; capacidades que são importantes não apenas para o mundo do trabalho, mas para o aprendizado como um todo.

Eu tenho me dedicado bastante a ajudar Luana a desenvolver a concentração, auxiliando-a a começar e terminar; a não se distrair; a pensar na própria tarefa antes de pensar na tarefa do outro. Eu acredito que se ela não desenvolver a concentração será muito prejudicial para o futuro dela. Qualquer que seja a profissão e a atividade que escolher, sempre precisará de concentração para ter sucesso; para se dedicar. Isso porque se concentrar tem a ver com definir prioridades; fazer escolhas; organizar o tempo – um conjunto de habilidades que são importantes para qualquer carreira. E acredito que tenho que ajudá-la nesse desenvolvimento.

Esses pesquisadores canadenses dizem que os nossos cérebros podem estar se adaptando à novas tecnologias; que a atenção mais curta é uma resposta dessa adaptação, ou seja, um efeito colateral normal. Ainda assim, estou preocupado em, como pai, fazer mais e melhor.

Em outro cenário, minha filha Yasmin está em uma fase que já começa a falar sobre o que vai ser quando crescer; as matérias das quais mais gosta e as que não tem afinidade. Esses elementos começam a aparecer no discurso, no dia a dia. Ela escreve muito bem e já esboça o desejo de ser escritora. Então, com ela, penso em como auxiliar nesse processo de criar uma rotina sem que pareça uma cobrança; sem pressão desnecessária. Nesse lugar, sempre me questiono se devo incentivar por meio de alguma recompensa material ou não; se espero que venha dela alguma sugestão. A linha tênue, refletindo como pai, é se proponho algum tipo de motivação ou deixo-a seguir um ritmo próprio. Eu não encontrei a forma, ainda. Não sei como devo ajudar as meninas a desenvolver habilidades e talentos associados à concentração; a desenvolver hábitos e comportamentos que possam auxiliar na escolha e na trajetória profissional. Essa tem sido uma busca pessoal.

Uma reflexão que tenho feito – como pai e profissional, liderando uma equipe de jovens na Geekie – é que a ênfase em ser multitarefas (multitasking) está diretamente associada à dificuldade de manter o foco. Essa lógica de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, reforçada pelo uso de dispositivos móveis, dificulta o desenvolvimento da habilidade da atenção, sobretudo em crianças muito ativas em mídias sociais; o cérebro precisa se reorganizar a cada mudança de atividade – o que ocorre sem que o ser humano se dê conta do processo.

Em casa, tento desmistificar esse hábito erroneamente valorizado; defendo que para fazer bem uma coisa, envolve escolhas. Para ter profundidade em algo e ser eficaz de fato, aprender a renunciar é essencial.

Tenho experimentado algumas táticas para ajudar meus filhos na concentração. A primeira é ajudá-los a focar e estabelecer limites nas atividades do momento: se estão fazendo lição de casa, a atividade deve ter começo, meio e fim; começar e terminar antes de se envolver em outra iniciativa. A segunda passa pelo exemplo. Nós, pais, temos que viver o que pregamos.

Parece simples, né?! Mas, quando estamos conversando com alguém e paramos a conversa para consultar o celular, estamos agindo de forma incoerente com o discurso feito. Temos, também, que começar e terminar uma tarefa. São esses detalhes do dia a dia que precisamos prestar a atenção. Os filhos fazem o que fazemos – não o que falamos. A terceira dica é pedir para que os filhos expliquem o que fizeram ao concluir uma tarefa; dividir, compartilhar e explicar, desafia as crianças e jovens a pensarem com mais profundidade no que fizeram.

Vale ressaltar que essa elaboração não precisa ser imediata, até porque refletir sobre o que foi feito é importante. Por último, encorajá-los a pensar sobre a importância de exercitar a concentração.

Ah… sobre os pesquisadores canadenses, eles me deram uma boa notícia. A geração que adotou as tecnologias mais cedo na vida ou de forma mais constante – True Gen , por exemplo – aprende com o tempo a permitir que grandes quantidades de informação sejam processadas antes de mudar o foco de atenção para outra atividade. Nesse caso, o nível alto de concentração aumenta em picos. Nesse contexto, são melhores que gerações anteriores no processo de identificar temas com os quais querem ou não envolvimento. Na prática, precisam de menos tempo para processar e alocar informações na memória.

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A matéria foi publicada originalmente no Portal TRIP Transformadores e pode ser lida aqui.
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