5 erros que cometi tentando inovar em sala de aula

Colunas
Erros que cometi em sala de aula

O professor Leonardo Freitas adora tecnologia em sala de aula, mas admite que já cometeu vários erros em sua busca pela inovação! Ele compartilha algumas dessas situações – que vão de engraçadas a trágicas – e traz os aprendizados que conquistou pelo caminho:

Sempre gosto de ter um retorno por parte das pessoas que leem minha coluna. Após a última, que discutia o uso do game Pokémon Go na escola, obtive muita coisa legal. Por email, uma professora questionou qual seria a “fórmula mágica” que eu usava para conseguir tanto sucesso em sala de aula.

Confesso que aquilo me intrigou! Passei a pensar no que de tão bom eu fazia em sala… E percebi que muitas das ideias inovadoras que tive ao longo dos anos foram deixadas de lado pelo caminho, ou, mesmo, tornam-se projetos fracassados. Como assim? Isso mesmo! Aquelas que resistem a esse processo, aí sim, posso afirmar que se tornaram verdadeiros sucessos.

Por isso, resolvi vasculhar meus antigos emails – mantenho todos em pastas, organizadinhas por mês, desde 2002 – buscando algumas dessas falhas para compartilhar com vocês, com muito carinho. E digo carinho pois, para cada erro que cometi, aprendi lições valorosas que ajudaram a moldar minha trajetória, minha prática e, principalmente, o professor que eu sou e que ainda serei. Afinal, nunca paramos de aprender! Vamos lá?

FRANGO FRANÇOÁ E “OS FRANÇOÁS”

Em 2008, visitei uma granja em um estudo dirigido de Biologia. Achei aquilo tudo muito interessante e, não sei por que cargas d’água, imaginei que pudesse contextualizar a experiência dentro de minhas aulas. Como estávamos em outubro e os alunos já se encontravam afetados pelo cansaço e apatia normais de fim de ano, tive mais uma ideia que, no momento, pareceu genial!

Sempre criei várias personagens em sala – uma delas fazia um enorme sucesso na época: o Frango Françoá. Me debrucei no Photoshop e editei uma foto de uma cédula de um real, colocando uma cabeça de frango, trocando marcas d’água, fundo e cores. E lá estava uma nota de “um françoá”. O conceito em si seria simples: a cada acerto de questão, participação, ou merecimento digno de nota, o aluno ganharia uma cédula françoá. Havia uma escala em que determinados pontos adicionais poderiam ser adquiridos; inclusive, com taxa de câmbio variável (seria útil em matemática). Dezenas de françoás impressos, parti rumo ao desconhecido.

Foram duas semanas de alvoroço e loucura! Pais reclamaram, alunos se indignaram e enfim, após uma sentença da coordenadora, nossa moeda quebrou.

Foi aí que descobri o significado da palavra corrupção: escambo de notas por lanches e cópia de deveres, falsificações, roubos de françoás, subornos de todas as espécies. Foram duas semanas de alvoroço e loucura! Pais reclamaram, alunos se indignaram e enfim, após uma sentença da coordenadora (que, não sei como, permitiu isso na época) a frágil moeda françolítica sofreu uma quebra, deixando uma economia em frangalhos e um professor derrotado. Nunca mais tentei nada parecido. Aprendi que com os valores (monetários e pessoais) das pessoas, não se brinca!

Ebook gratuito: As redes sociais mais populares entre os alunos aplicadas à sala de aula!

JORNAL LITERÁRIO E “ENTREVISTAS” COM OS AUTORES

Certa vez, em 2009, assumi turmas meio problemáticas, numa escola com uma reputação um tanto ruim. Lá fui eu, cheio de energia e achando que poderia mudar o mundo apenas com boa vontade e carinha feliz.

Meu primeiro contato com eles foi horrível: no primeiro ano do Ensino Médio, havia um aluno de 19 anos, a quem ninguém ousava nem dirigir a palavra. Ele passava a aula toda com fones de ouvido e pouco se importava com minha presença. A maioria dos alunos do meu total de cinco turmas era assim: adolescentes relapsos, mal acostumados e rebeldes. Eu era o 8º professor de Literatura naquele ano e estávamos em novembro: ou seja, eu precisava agir! Advindo do fracasso com os françoás, eu precisava criar algo mais didático desta vez.

Eis que ousei criar um jornal: o “Correio Literário”, uma espécie de jornalzinho-enciclopédia, bem colorido (na época comprei um bulk ink pra minha impressora, pra poder melhorar a qualidade do material). O jornal trazia passatempos, entrevistas, resumos, dicas de vestibular e muito mais, tudo ligado ao universo literário. Ele seria editado a cada 15 dias. A primeira edição teve algum interesse rápido – uns 5 minutos. A segunda foi guardada na mochila.

Na terceira, durante uma aula na turma do primeiro ano, meu parceirão se levantou, amassou o jornal cuidadosamente impresso e jogou na minha cara. Aquilo doeu como um cruzado de direita. E ainda emendou, dizendo que, se eu ousasse entregar aquele jornal (ao qual ele se referiu com uma linguagem bem mais chula) para ele novamente, ele me “quebraria aqui dentro”!

Lembro-me de pegar a folha, desamassá-la e dar de cara com um “Quizz com o Padre Antônio Vieira”. Meu intrépido agressor sentou e voltou a ouvir música. Ali não existia mais nada. Só eu, o jornal amassado e o pobre Antônio Vieira. Virei as costas, abri a porta, entrei no carro e só. Não sei mais o que houve, pois, até hoje, não retornei para ver no que deu. Abandonei o emprego para não abandonar minha profissão. Mas isso não me abalou muito, já que, em menos de seis meses, eu criaria mais uma maravilha do mundo pedagógico moderno…

COPA DOS VERBOS

Não fiquei nem 15 dias desempregado e um amigo meu me indicou para uma grande rede de escolas, desta vez, com muita tecnologia ao meu dispor. Cheguei ao novo ambiente feliz e contente com meus passos! Em meados de 2010, lecionando para doze turmas de Ensino Médio e em meio à Copa do Mundo, tive a “brilhante” ideia de montar uma série de slides, iguais a uma tabela de jogos de futebol. Estes slides continham o nome dos alunos e verbos aleatórios, mostrando verbo, tempo, modo e pessoa em que deveriam ser conjugados. E eis que surgia a Copa dos Verbos!

Infográfico: O que gamificação e como usá-la em sala de aula?

Passei noites e noites arrumando aquilo tudo – e, de fato, foi muito trabalho, já que tinha uma média de 30 alunos por turma. A tarefa consistia em inserir um pequeno retângulo no slide, digitar, nele, o nome de cada aluno, formatá-los e animar um por um. Enfim, com tudo pronto, fui testar com meus pupilos minha mais nova invenção!

Novamente, foi um fracasso completo. Creio que por três motivos óbvios, que eu simplesmente não observei na época: primeiro, porque fiz a Copa dos Verbos em julho, porém, só a coloquei em prática no fim de agosto. Até lá, já havia se encerrado a Copa do Mundo real. Ou seja: totalmente fora de contexto; em segundo lugar, a conjugação verbal seca e isolada mostrou-se cansativa e enfadonha, despertando pouco interesse dos alunos; e, por fim, o mais triste e doloroso motivo para mim: o jogo ficou muito, mas muito chato!

Foi um fracasso tão grande que a atividade foi derrotada na fase eliminatória e deixada no limbo do HD. Detalhe: eu não entendo nada de futebol! O design ficou parecido com qualquer coisa, menos com uma tabela de campeonato! Se serviu de algo? Sim, claro. Foi para me ensinar como não fazer as coisas!

Ebook gratuito: Manual de Boas Práticas com a Geekie

SLIDES TÉCNICOS PARA ENSINO FUNDAMENTAL

Embora seja algo que vejo constantemente em escolas, certa vez, cismei de fazer um material top das galáxias. Reuni o que havia de melhor e mais técnico, tudo relativo à Língua Portuguesa e joguei todo esse conteúdo em slides dignos de um curso de doutorado. Busquei imagens, infográficos, recursos em vídeo, tudo no mais rígido e correto furor acadêmico. Só que, na época, eu dava aula para 9º ano! Novamente, havia me esquecido de algo fundamental: eles não estavam prontos para aquilo tudo!

Havia muita técnica no meu material, mas pouca sensibilidade. Resultado? Mais um enorme fracasso. E como eu formatei aquele pendrive de 1GB com dor no meu coração… Mais uma vez, é claro, foi um aprendizado para a vida toda.

Não adianta ser o cara do seu conteúdo se você não tiver carisma e apelo; o conhecer por si só não basta, é preciso vivenciar, acolher e conquistar os alunos. E tanto faz o nível em que eles estão: do 6º ano à graduação (meus atuais 80 alunos do 1º semestre estão aí para provar), é basicamente o mesmo procedimento.

CAVALEIROS DO ZODÍACO: A BATALHA DO SUBSTANTIVO

O ano era 1995. Estreava, na finada Tv Manchete, um desenho que jamais teria chances de ser reprisado em TV aberta nos dias de hoje: Cavaleiros do Zodíaco. Um sucesso tremendo! Eu e meus amigos na época colecionávamos tudo que tivesse relação com o desenho: bonecos, figurinhas, pôsteres, etc. A febre passou, mas, como todo bom saudosista dos anos 90, guardei aquele apego por Seiya e seus amigos.

Até que, no ano passado, descobri que poderia criar jogos no Power Point… Adivinha? Não demorou para que levasse a velha paixão à sala de aula, só que, desta vez, suprimindo a violência do desenho original (afinal de contas, arrancar corações alheios com as próprias mãos não é considerara uma atitude muito “pedagógica”).

Baixei GIFs fantásticos, cenários, trilha sonora original, telas do desenho, inclusive encontrei a fonte original usada no anime. Depois, gastei quase 1 mês juntando esse material, animando o novo game, decidindo rota de colisão, qual conteúdo e de que forma seria cobrado.

Finalmente, cheguei na escola com minha obra-prima: Os Cavaleiros do Zodíaco – a batalha do substantivo. Eu já havia passado uns três ou quatro jogos para aquela turma e sabia que seria um sucesso! Qual não foi minha surpresa quando o primeiro aluno a jogar virou para mim e disse: “Cavaleiros do Zodíaco? O que é isso?”. E eu, no auge de minha indignação, com orgulho de professor, criador e fã ferido, perguntei: “Vocês não conhecem?”…Ninguém conhecia!

Esqueci do princípio básico de que a aula é do aluno, não nossa. Precisei jogar fora não só as noites de trabalho, como minhas expectativas. 

Esqueci de um fator muito básico: o desenho foi um sucesso estrondoso na minha época, não na deles. Esqueci do princípio básico de que a aula é do aluno, não nossa. Precisei jogar fora não só as noites de trabalho, como minhas expectativas. Só que meus alunos não tinham culpa nenhuma disso! Me resguardei da decepção e criei outro joguinho, envolvendo os personagens de Hora da Aventura, desenho de grande sucesso no Cartoon Network. Nem preciso dizer que deu muito certo e pouco trabalho. Daquele dia em diante, decidi que tudo o que eu decidisse criar para sala de aula teria, no mínimo, a opinião e o aval deles.

Continue a reflexão: Apoio ao professor: O que ele quer em cada etapa da carreira?

Espero que esses relatos sirvam, antes de mais nada, como inspiração! Eles são a prova viva de que, para se manter no caminho da inovação, é necessária muita coragem. Desafios sempre virão, dificuldades serão constantes. Cabe a você decidir o que se encaixa melhor em sua vida profissional e pessoal: eu sempre escolhi, por mais difícil que fosse, acordar cedo e viver um dia de cada vez, aprendendo e ensinando a viver, junto com essa galerinha que está aí, pronta para qualquer mudança. É um caminho edificante.

E, se você se encontra em alguma dessas situações, não esmoreça! Lembre-se dos françoás, dos alunos rebeldes, dos trabalhos perdidos e até do pobre padre Antônio Vieira, todo estatelado ao chão, pisoteado e sujo, mas não vencido!

Ah! Vou deixar o link do jogo dos Cavaleiros do Zodíaco aqui, para quem quiser baixar. Quem sabe não encontro uma alma saudosa de 1995 para se divertir (ou trabalhar em sala de aula) com ele?

  • Leonardo Freitas é graduado em Letras, com especialização em Literatura Brasileira. Leciona há 16 anos e desde pequeno queria ser professor. Já passou por todos os níveis, desde o Ensino Fundamental II ao Superior. Atualmente, trabalha com onze turmas de 8º e 9º ano e com turmas dos cursos superiores de Pedagogia e Enfermagem em instituições particulares de Brasília.

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