Como usar dados para tomar melhores decisões pedagógicas, segundo educadores

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Dados na educação

Na teoria, é muito fácil. Agora, como usar, na prática, dados concretos para tomar decisões pedagógicas? Esse foi o combustível do mais recente bate-papo online promovido pela Geekie, que contou com a participação do professor Frederico Azevedo, Diretor do Colégio Sërios, em Brasília; professor Carlos Azeitona, Assessor de Inteligência Didática Pedagógica dos Colégios Opet, em Curitiba; e Camila Karino, especialista em avaliação da Geekie e ex-Coordenadora Geral de Instrumentos e Medidas do Inep.

“O que acontece muitas vezes no meio educacional é que a avaliação nem sempre chega à área pedagógica”, explica Camila. “Isso é triste porque a avaliação não se concretiza. Você aplica uma prova, tem o resultado dessa prova, tem um julgamento de valor (ou seja, se o resultado foi bom ou ruim), mas não chega a ter uma ação pedagógica efetivamente”. Dessa maneira, a avaliação é vista somente como um fim, ao invés de como um meio para identificar pontos de melhoria e orientar o trabalho do educador.

Nesse sentido, ambas as escolas convidadas para o bate-papo são pontos fora da curva: tanto no Sërios quanto na Opet, os gestores começaram a dedicar mais tempo para reunir, organizar e interpretar dados. A partir deles, foi possível inferir sobre o desenvolvimento dos alunos e a prática do professor. Confira o vídeo na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=ebsC-VXYQ2Q

O papel do gestor

No Colégio Opet, o gestor acompanha o planejamento de cada disciplina para que ele contenha, além do conteúdo a ser trabalhado, as competências desenvolvidas e, inclusive, o material correspondente na plataforma Geekie. As avaliações também são revisadas para que estejam de acordo com o planejamento do professor. “A gestão não invade a disciplina do professor, afinal, isso é da competência dele. Mas verificamos a parte pedagógica: se essas competências que ele está exigindo correspondem ao planejamento”, conta o professor Azeitona.

É comum que esse seja um medo do gestor – como analisar dados sobre uma disciplina que não lhe compete? E se seus conhecimentos sobre química, biologia ou língua portuguesa não forem suficientes? Azeitona não acredita que esse seja um obstáculo: “Não é preciso conhecer profundamente a matéria, mas, sim, saber interpretar o que cada indicador está mostrando”. Para isso, a instituição precisa ter muita clareza quanto a seus objetivos e o que espera do processo de ensino-aprendizagem.

Formação do professor

Outra preocupação é a de formar a equipe pedagógica, promovendo a autonomia dos professores. “Números assustam. Então, o primeiro desafio é: como ser um instrumento fácil para o professor? Temos que trabalhar de uma maneira que auxilie o professor no ato de ensinar. Se não for rápido e fácil, ele não vai utilizar”, sentencia Frederico.

Em sua escola, Frederico também realiza esse trabalho de compilação e interpretação de dados, levando gráficos e tabelas prontos para as reuniões de professores. Além da avaliação externa oferecida pela Geekie, o Sërios leva em conta resultados de avaliações internas e, em seguida, pretende incluir até mesmo fatores comportamentais na avaliação – eles perceberam, por exemplo, que os alunos tinham dificuldades em se concentrar nas aulas de matemática, logo após o almoço, durante o período de seca em Brasília. O horário da aula foi alterado para facilitar a aprendizagem.

Porém, a expectativa é que, gradativamente, cada professor tenha autonomia para criar os próprios indicadores e compreender os dados levantados da forma como fizerem mais sentido para sua prática. “O professor precisa ter muito claro onde ele está e onde quer chegar com aquela turma. Quando isso acontece de verdade, a avaliação é uma celebração, porque mostra que o aprendizado está ocorrendo”.


Não são apenas provas que geram dados valiosos para a escola – o engajamento dos alunos, por exemplo, pode ser um indicador.

Além dos dados

Impor o uso de gráficos e tabelas não é garantia de sucesso, alertam os educadores. “Não acho que o professor deve usar só porque o gestor está pedindo”, comenta Azeitona. “Pelo contrário, é preciso mostrar como essa análise vai auxiliar sua prática em aula”. Além disso, o modelo usado por uma escola não necessariamente será ideal para outras que o replicarem. Tanto o professor Frederico quanto Azeitona alertam que simplesmente compartilhar as suas tabelas – como foi muito pedido durante o bate-papo! – poderia não trazer os mesmos bons resultados para outras instituições. Cada escola deve decidir, de acordo com sua missão e metodologia, quais os indicadores relevantes e qual a melhor forma de avaliá-los (e não obrigatoriamente será através de uma tabela no Excel).

“A avaliação é constante. Você consegue indicadores pedindo para os alunos levantarem a mão ou reparando nas expressões da turma durante uma aula”.

“A avaliação é constante. Você consegue indicadores pedindo para os alunos levantarem a mão ou reparando nas expressões da turma durante uma aula. Eles saíram felizes do seu último encontro? Tudo isso são dados que podem ser valiosos para o educador”, exemplifica Frederico.

Camila complementa ressaltando a importância de contextualizar os dados retirados de provas com outros indicadores que deem sentido aos resultados: o número de alunos matriculados naquela turma, o perfil socioeconômico dos alunos, o tempo de permanência na escola. Da mesma maneira, essas informações são essenciais ao se analisar rankings nacionais, como os da Prova Brasil ou Enem.

O papel da avaliação

Quando bem utilizada, a avaliação é uma etapa valiosa do processo de ensino-aprendizagem. Contudo, essa consciência ainda está longe de ser unanimidade entre educadores. Afinal, a cultura da avaliação – especialmente a da avaliação externa – ainda é bastante nova no cenário nacional e só começou a ser amplamente utilizada nas últimas décadas.

“O mal uso da avaliação deixou resquícios”, conclui Camila, “que precisam acabar para se criar uma nova cultura de avaliação parceira, atrelada ao processo pedagógico”.

“Quando os exames nacionais surgiram, na década de 90, houve muito medo de que elas fossem motivo de demissão dos professores”, explica Camila. Azeitona concorda: “Ainda há muita resistência. Essa onda de indicadores está só começando e professores muitas vezes têm medo de receber resultados não tão bons quanto gostariam”.

Um resultado inesperado, entretanto, nunca deve ser atribuído cegamente a aluno (“ah, esse aluno não estuda!”) ou professor. Os convidados afirmam que é imprescindível considerar vários fatores: a formulação da questão estava adequada? Como foi minha didática? Há lacunas na aprendizagem dos alunos? Em que contexto eles estão inseridos fora da escola? As competências cobradas foram trabalhadas em sala de aula? O valor dessas respostas está justamente na possibilidade de se modificar a prática pedagógica ao longo do ano, para intervir antes do resultado final.

“O mal uso da avaliação deixou resquícios”, conclui Camila, “que precisam acabar para se criar uma nova cultura de avaliação parceira, atrelada ao processo pedagógico“.

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