Como eu uso storytelling na sala de aula

Colunas

Por Leonardo Freitas*
Sou fascinado por aparelhos eletrônicos desde pequeno – muito embora não houvesse então nem metade dos gadgets de que a molecada dispõe hoje. Lembro-me de que meu pai possuía um gravador k-7 portátil, que ele guardava com um ciúme feroz. Bem nessa época, eu havia ganhado um incrível Super Nintendo, com um jogo que mudaria os parâmetros da minha vida social: Street Fighter II. Entre noites intermináveis de lutas desenfreadas, percebi que havia uma opção famigerada que dispunha de todas as músicas e efeitos sonoros do jogo (composições, por sinal, muito bem feitas!). A tentação me possuiu naquele momento: peguei (escondido) o gravador do meu velho pai, coloquei ao lado da tv, reproduzi algumas músicas do jogo e fiz vozes estranhas por cima. Pronto! Ali estava uma família de super-heróis (cada um com uma música do jogo) que vivia situações ridículas e fora do normal. Levei o k-7 para os amiguinhos da 8ª série e adivinha qual foi o resultado?


Vergonha total! Não estavam prontos para minha incrível capacidade criativa (certo, talvez não fosse tão incrível assim). Não me dando por vencido, resolvi aperfeiçoar o roteiro e envolver coisas mais engraçadas. Deu no que deu: meia dúzia de amiguinhos gostaram. O mais importante é que eu tinha descoberto uma habilidade que usaria décadas depois, e que hoje está sendo valorizada em todo o mundo: o storytelling!


O significado desse belo termo é simples: “contar histórias”. Mas o efeito que isso tem, principalmente em sala, é muito poderoso. Numa conceituação bem resumida, significa contextualização. Dentro de uma aula, funciona que é uma beleza – inclusive como forma de promover a tão buscada interdisciplinaridade. Experimente colocá-la dentro de uma prova! Há alguns anos, ensinando orações subordinadas substantivas reduzidas, criei uma questão em forma de poesia, contando uma historinha do “Frango Françoá”: a biografia de um pintinho culto, desde que nasceu no sul da França até sua jornada política como ditador de um certo país. Ali abordamos: Português, História, Geografia, Literatura e Biologia. E as falas de bravura, típicas dos grandes ditadores, eram todas construídas em forma das orações que estávamos estudando. Deu muito trabalho, mas ficou bem legal (ao menos a repercussão foi muitíssimo melhor que aquela da oitava série). A questão primordial aqui é: por qual motivo usar algo assim dentro de uma sala de aula?


Vamos pensar no seguinte: nossos alunos vivem em uma era de excesso de informação, sendo diariamente bombardeados por estímulos que lutam (dentro e fora de sala) pela sua atenção. Automaticamente, criamos uma defesa, uma imunidade a muitas abordagens tradicionais. Creio que daí é que podem surgir muitos casos de indisciplina. E é neste contexto que o storytelling ganha uma força imensa! Isso porque contar uma história interessante é uma das maneiras mais eficazes de obter a atenção de alguém.


Das diversas personagens que uso em sala (atualmente mais de 100), uma tem um carisma e atenção especial: o Narrador de Exercícios. Essa atividade consiste em uma coleção de 44 vídeos – cada episódio tendo, em média, 30 ou 40 minutos de duração – em que esta personagem narra questões sobre a Língua Portuguesa. Para cada questão há um pequeno vídeo, que resume o enunciado e traz situações hilárias. Pode parecer simples, mas é um sucesso estrondoso. Isso chamou atenção de tal forma que resolvi registrar os direitos da personagem. Os alunos se apegam tanto a estas aulas que, ao fim do último capítulo (com direito a retrospectiva de vida da personagem), a maioria dos alunos foi aos prantos. E isso numa sessão especial no auditório, com direito a ares de fim de trilogia de vampiros! Neste link, você pode baixar um vídeo que eu produzi explicando como utilizo o Narrador de Exercícios em minhas aulas.

O personagem Narrador de Exercícios. Clique na imagem para baixar um vídeo que fala mais sobre ele

Hoje, com a quantidade de aparatos tecnológicos, contar histórias se tornou algo muito simples. Mas, você pode estar pensando: “Ah! Esse cara dizendo assim fica fácil! Quero ver se não tivesse recursos…”. Não posso negar que a escola onde trabalho me disponibiliza ótimos aparatos para fazê-lo (computador e internet em sala, projetor, auditório etc.). Mas inovação requer muito mais criatividade que maquinário. Não tem internet na sala? Baixe em casa e leve para a aula (este professor fez isso). Não tem projetor? Use músicas, faça cartazes. Não tem computador nem outro equipamento em que possa exibir apresentações? Use o recurso mais em conta que existe: você mesmo! Abuse de sua criatividade, mostre seu trabalho, seu esforço. Não deixe que a maré de pessimismo que banha diariamente nossa área o contamine. Comecei numa escolinha de quatro salas e, desde os primórdios de minha carreira, tento algo assim. Arrisco dizer que os fracassos foram, em número, maiores que os sucessos. Mas logo que peguei o jeito da coisa e tracei minhas metas (e, principalmente, resolvi sair da zona de conforto e efetivamente agir), vi todo o meu trabalho tomar forma.

Por fim, gostaria de fazer um convite a todos vocês: pensem em alguma maneira de utilizar a técnica do storytelling em suas aulas. Inclua grandes personalidades no contexto de sua aula, crie personagens, monte paródias. Somos descendentes de povos que se reuniam à beira de fogueiras para cantar e contar grandes feitos. Faça círculos e rodas de conversa com seus pupilos. Encante-os e permita-se, acima de tudo, encantar-se com eles. Pode ser difícil no início, mas não é impossível (além de tornar tudo mais leve). Crie, recrie, seja criativo e inove! E, a cada etapa bem-sucedida, almeje outra. Busque tutoriais e maneiras de inserir as novas tecnologias nessas histórias. Pois mais importante que o sonho é a realização. E não há dinheiro no mundo que pague ver o carinho e admiração que um estudante, conquistado por um trabalho bem feito, estampa no rosto.

*Leonardo Freitas é graduado em Letras pela Universidade Católica, com especialização em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília. Leciona há exatos 16 anos, e desde pequeno queria ser professor. Já passou por todos os níveis, desde o fundamental I ao superior. Hoje, trabalha com seis turmas de 8º ano em uma escola particular de Brasília.

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